sexta-feira, 5 de março de 2021

Cheias de rios favorecem pesca ilegal no interior cearense

A pesca de espécies de piracema da água doce está proibida no Ceará desde o dia 1º de fevereiro deste ano, mas as chuvas que banham o interior trouxeram água nova para os rios, riachos e açudes, atraindo moradores ribeirinhos para a captura ilegal dos animais. A pesca irregular está ocorrendo em diferentes regiões do Estado.

Na manhã dessa quinta-feira (4), um vídeo gravado por um morador mostra várias pessoas em flagrante de pesca ilegal na localidade de Mozarlândia, distante cerca de 30 km da cidade de Banabuiú, no limite com Quixeramobim, no Sertão Central.

No clima de comemoração entre os jovens, as imagens revelam o pescado da espécie curimatã nadando contra a correnteza para liberar ovas para reprodução – fenômeno da piracema, que assegura a reprodução da espécie. Há sacos cheios de peixes capturados.

Flagrante semelhante no Rio Jaguaribe, na localidade de Quixoá, na tarde do mesmo dia. A reportagem do Diário do Nordeste registrou um grupo de jovens utilizando de rede na modalidade de arrasto. Ao fim de cada passagem do galão na água, eles comemoram a captura de dezenas de curimatã.

"Gente de fora"

O presidente da Colônia de Pescadores Z-14, em Banabuiú, Genival Maia Barreiros, confirmou a pesca nesta manhã.

“É gente de fora, de várias localidades, não são pescadores artesanais, inscritos no cadastro do seguro-defeso”, explicou. “Choveu bem esses dias e a pesca ficou favorável porque tem muitos peixes e eles pegam com a mão”.

Os dirigentes de colônias de pescadores saíram em defesa do pescador artesanal, cadastrado, afirmando que a categoria sabe da proibição e não pesca no período de defeso.

Para a presidente da Colônia de Pescadores de Iguatu (Z-41), Neide Chaves França, a prática da pesca ilegal resulta de dois fatores: “Falta consciência e fiscalização”. Já a presidente da Colônia de Pescadores de Orós, o segundo maior reservatório do Estado, Josenilda Martins, “o açude está fechado, a pesca não é permitida”.

Neide Chaves e Josenilda Martins defendem a pesca apenas para consumo próprio da família do pescador, nessa época do ano, limitada a seis quilos por família, mas jamais para vender.

“Na Quaresma e na Semana Santa sabemos que aumenta o consumo de peixe e muitos só se alimentam de pescado às quartas-feiras e sextas-feiras por tradição”, pontuou Neide Chaves.

Embora afirmando que “há muito peixe nos rios”, Genival Barreiros afirma que “vê com tristeza a pesca ilegal praticada por pessoas que não se enquadram na categoria profissional, no período de proibição”.

Defeso

O período de defeso segue até o próximo dia 30 de abril. O Ceará tem cerca de 30 mil pescadores artesanais que trabalham em águas marítimas e interiores - continentais. O defeso da piracema refere-se ao pescado de água doce (rios, riachos, açudes e lagoas).

A piracema é o fenômeno em que peixes fazem a desova para a reprodução das espécies - branquinha, curimatã, piaba, sardinha e tambaqui - nos rios, lagoas, açudes públicos e particulares.

A portaria interministerial dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Meio Ambiente (MMA) que institui o período de defeso, no Ceará, das espécies de piracema da água doce - branquinha, curimatã, piau - ocorre entre 1º de fevereiro e 30 de abril de cada ano.

A norma proíbe a pesca com o uso de malhas, transporte, armazenamento, conservação, beneficiamento, industrialização e comercialização. A proibição da pesca tem por objetivo assegurar a reprodução da espécie.

Seguro

Nesse período, o pescador artesanal cadastrado recebe três parcelas mensais no valor de um salário mínimo. O pagamento começou na última quarta-feira (3).

Morador e pescador na bacia do açude Orós há mais de 30 anos, Manoel Rodrigues dos Santos, na localidade de Barrocas, não pesca desde fevereiro passado. “A gente tem de respeitar a proibição”, disse.

“Existem os aventureiros, amadores, que quando chove, os rios e açudes recebem água nova e eles saem para pescar”, observou o líder comunitário, Evanilson Saraiva.

Fiscalização

O fechamento de escritórios regionais do Ibama nas cidades de Aracati, Crato, Iguatu e Sobral dificultou a fiscalização, que ficou concentrada na sede em Fortaleza. A redução de fiscais compromete a medida preservacionista.

A Lei Complementar 140 de 2011, entretanto, definiu cooperação entre os entes federativos, secretarias estaduais e municipais para atuação na fiscalização contra irregularidades e na defesa e proteção do meio ambiente.

Por nota, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmou que “atua na proteção à pesca em âmbito nacional ou regional, de acordo com a Lei Complementar 140/2011, combatendo a pesca predatória ou quando a atividade é exercida sem a licença do órgão competente. A fiscalização é de competência dos estados quando o impacto é local, a exemplo da pesca em açudes, lagos e bacias hidrográficas estaduais. Subsidiariamente, o Ibama pode atuar quando a ação dos estados estiver impossibilitada ou ainda em situações de flagrante ilícito ambiental”.

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) enviou nota observando que o órgão “exerce a fiscalização ambiental de infrações cometidas em todo o território cearense. Somente em 2020, foram atendidas mais de 3.000 ocorrências, registradas a partir de solicitações de cidadãos e instituições públicas.

Há 26 fiscais na Semace trabalhando no setor de combate aos crimes ambientais e que o órgão tem recebido denúncias nos últimos dias. “Especificamente com relação à pesca predatória, existem 111 ocorrências registradas no sistema de registro de denúncias da Semace, das quais já atendemos 79, um percentual de 71% de atendimento de ocorrências relacionadas à pesca”.

Com infoemações do Diário do Nordeste.