terça-feira, 20 de outubro de 2020

Pandemia faz Governo do Ceará cogitar criação de 4º ano do ensino médio em 2021

Pandemia faz Governo do Ceará cogitar criação de 4º ano do ensino médio em 2021
Foto Thiago Gadelha/SVM
Encerrar o 3º ano do ensino médio em 2020 e, no ano seguinte, voltar a estudar para cursar um 4º ano. A situação inédita, que já foi anunciada como uma ação a ser implementada no Maranhão e em São Paulo, devido à pandemia, é também avaliada pelo Governo do Ceará. Na primeira semana de outubro, a vice-governadora, Izolda Cela, disse que a ideia tem sido avaliada. Agora, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que a criação da série está em estudo e, por isso, “não é possível ainda falar a respeito”.

Hoje, a rede estadual tem 98 mil alunos matriculados no 3º ano do ensino médio. De acordo com Izolda, é um desejo do Governo “garantir para aqueles meninos que estão no terceiro ano, e se sentiram muito prejudicados com relação ao Enem, eles terem oportunidade de terem um programa de estudo. De ter uma espécie de quarto ano. Tudo isso está sendo pensado e planejado”.

A proposta que, segundo a Seduc, está sendo estudada no Ceará já foi adotada no estado do Maranhão, conforme anúncio feito pela Secretaria de Estado da Educação do Maranhão, em junho, e também na rede estadual de São Paulo, de acordo com comunicado do Governo realizado em julho.

O acesso ao 4º ano letivo será opcional em 2021, nos dois estados, e a medida, conforme as gestões, busca garantir que os estudantes frequentem mais aulas e isso reforce a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outros vestibulares. Ainda não se sabe se o 4º ano do ensino médio terá prova e reprovação.

Redes têm autonomia para criar 4º ano

A condição de criar um ano escolar a mais é permitida pela Lei Federal 14.040/2020, aprovada em agosto, que trata, dentre outros, do cumprimento dos dias letivos em 2020. Conforme a norma, cada sistema de ensino, em caráter excepcional e mediante disponibilidade de vagas na rede pública, pode “possibilitar ao aluno concluinte do ensino médio matricular-se para períodos de estudos de até um ano escolar suplementar”.

A criação de um ano a mais no ensino médio, embora não seja um desejo generalizado, conforme avaliação de estudantes da rede pública, é uma proposta que considera as dificuldades e desigualdades de acesso ao ensino remoto.

Para Maria Vitória Pimentel, estudante do 3º ano da rede estadual, o atual momento “tem sido uma experiência difícil de lidar. Não é só sobre o ensino estar de forma remota, mas também sobre o cenário que estamos incluídos. Ele requer bastante disciplina. Por esse motivo, a minha experiência não tem sido positiva”, conta. Ela diz que, por ora, não tem como afirmar se cursaria ou não a nova série.

“Eu acho que sim. Não posso garantir, pois embora toda essa situação, a vida não parou, e ela não para. As cobranças sempre permaneceram e permanecem mesmo que a gente esteja em uma realidade desfavorável. Alguns colegas que estão tendo um baixo rendimento comentam que super fariam, mas já outros comentam que não, pois veem como atraso”.

99% dos alunos da rede estadual inscritos no Enem

No Ceará, 99% dos 98 mil alunos matriculados no 3º ano do Ensino Médio estão inscritos no Enem, segundo a Seduc. Vitória é uma delas. Apesar das dificuldades, ela relata que não desistiu. “Não me sinto preparada e de uma certa forma, abalada. Eu tinha muitas expectativas para este ano, me preocupo muito com o próximo”.

Já Cauã Lemos, também estudante do 3º da rede estadual no Ceará, avalia que a experiência com as aulas remotas tem “sido boa, algumas pessoas conseguem estudar o que os professores mandam e toda semana tem aula e atividade”. Ele irá fazer o Enem e, em relação à criação do 4º ano, opina: “sinceramente não sei, muitas pessoas não são a favor do quarto ano, principalmente as pessoas do terceiro ano, já que a maioria quer entrar em uma faculdade logo e trabalhar para ajudar a família em casa”.

A professora de matemática da rede estadual, Tyara Lima, afirma que ainda não viu nenhuma manifestação a respeito dessa possibilidade no nosso Estado. “Cogitou-se a possibilidade de uma espécie de ‘cursinho’, que dependeria da data do Enem 2020. Mas nada oficial”. A profissional diz não saber se as escolas teriam estrutura para comportar novas turmas e ainda permanecer com os alunos que cursaram o 3º ano em 2020.

“Pois tudo isso requer uma logística não somente de espaço, mas de recursos humanos. Mais turmas, mais profissionais. Na minha opinião, o Estado deveria ofertar, porém não de maneira obrigatória”.

Outra professora da rede estadual, Marilene Magalhães Rodrigues, docente de biologia, avalia que nesse momento é necessário “muita escuta por parte dos gestores”. “Avalio que as aulas remotas acentuaram as diferenças sociais, muitos alunos com acesso irrestrito ao conhecimento e outros à margem. Então, por justiça, concordo que, dentre as políticas públicas a serem oferecidas, que poderiam mitigar esses extremos, seria oferecer um quarto ano, mas que o mesmo fosse oferecido de forma opcional”, relata.

Ação é vista como resposta social

“Por conta da pandemia, o que deve motivar a criação de um quarto ano no Ensino Médio no Ceará é a necessidade de segurança e de apoio que os estudantes da rede pública precisam nesse momento. Não é uma questão de pesquisa sobre o interesse ou não dos estudantes. O Estado precisa se antecipar. Em relação à aprendizagem e também no que se refere à convivência social, às questões psicológicas, aos laços afetivos e de amizade, as perdas com o ensino remoto são incontestáveis”, analisa o docente da Faculdade de Educação (FACED/UFC) e pesquisador Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (LABOR/UFC), Jackson Braga.

O professor ressalta que a centralidade da aprendizagem deve ser “o próprio estudante e não os conteúdos curriculares”. Portanto, afirma “abrem-se duas frentes de trabalho para os educadores: a primeira, possibilitar que o aluno e a aluna escolham as disciplinas que mais sentem dificuldade de aprendizagem; a segunda, consultar e descobrir o que foi perda de aprendizagem e quais são os conteúdos curriculares mais difíceis e os mais exigidos e preparar uma boa revisão direcionada”.

Ele reitera que o 4º ano não deve ser obrigatório, nem deve ter reprovação. “É fundamental que o governo do Estado garanta que vai destinar recursos exclusivos que podem ir desde a contração de novos professores ao uso de mais equipamentos tecnológicos. A verdade é que deixar nossos estudantes entregues à própria sorte em um momento tão difícil seria mais um descaso público”.

Com informações do Diário do Nordeste.