terça-feira, 4 de agosto de 2020

Justiça Federal condenou 119 réus por ligação com o furto ao Banco Central em Fortaleza

Foto Thiago Gaspar
Se o trabalho da Polícia Federal (PF) para identificar, encontrar e prender os suspeitos, além de recuperar o dinheiro, do maior furto a banco da história do Brasil foi complexo, não seria diferente para o Ministério Público Federal (MPF) e para a Justiça Federal no Ceará. Procuradores e juízes se debruçaram sobre a papelada, por anos, para condenar 119 réus (alguns repetidos) ligados ao furto ao Banco Central em Fortaleza.

As investigações da PF resultaram em 28 ações penais na primeira instância. A divisão foi a forma que as autoridades encontraram para dar celeridade aos processos e julgar os núcleos conforme atuação. Os réus foram acusados de furto qualificado, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, porte ilegal de arma de fogo, uso de documento falso e extorsão mediante sequestro.

As penas aplicadas pela 11ª Vara da Justiça Federal variaram de 3 anos a 170 anos de prisão. Quinze anos depois, todos os processos já foram arquivados na Justiça Federal. A sensação dos procuradores e do juiz Danilo Fontenelle, que trabalharam no caso, é de “dever cumprido”.

Mas os réus recorreram às instâncias superiores. Pelo menos 24 dos condenados em primeira instância conseguiram absolvição no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). E 55 tiveram a pena reduzida.

Os pedidos de absolvição e de diminuição de pena das defesas se basearam principalmente em uma concepção do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o crime de lavagem de dinheiro, concedida na Ação Penal 470, que ficou conhecida como ‘Mensalão’. O Supremo entendeu que os réus não podiam ser condenados pelo crime em fatos anteriores à definição de organização criminosa existir na legislação brasileira, o que aconteceu apenas em 2013. O Brasil era signatário de um acordo internacional denominado Convenção de Palermo, que definia a lavagem de dinheiro como crime, mas os ministros a ignoraram.

Líderes

Antônio Jussivan Alves dos Santos, o ‘Alemão’, cearense e apontado como um dos líderes da quadrilha que furtou R$ 164 milhões do Banco Central, foi condenado duas vezes pela Justiça Federal: a 49 anos e 2 meses de prisão, em um processo que respondia por furto, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e uso de documento falso; e a 80 anos e 10 meses, por lavagem de dinheiro. A pena total era de 130 anos de reclusão.

Porém, a primeira pena foi reduzida para 35 anos e 10 meses, no TRF-5. Já a segunda foi anulada no mesmo Tribunal, e o STJ manteve a decisão, em outubro do ano passado. ‘Alemão’ foi preso pela PF em uma loja de pneus, em Brasília, onde morava, em fevereiro de 2008. As investigações apontam que ele se passava por fazendeiro, usava o nome falso de Antônio Joaquim de Oliveira Paiva e investia o dinheiro do crime milionário em propriedades nos estados de Goiás e Mato Grosso.

‘Alemão’ teria ficado com o maior valor do furto e ainda destinado R$ 10 milhões à facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). Em 2017, ele tentou fugir de um presídio cearense, mas terminou baleado e capturado. Depois, foi transferido a um presídio federal.

O cearense convidou familiares e conhecidos do Município onde nasceu, Boa Viagem, para participar da ação criminosa que os deixaria ricos – e marcados. Também foram condenados na Justiça Federal a sua irmã Geniglei Alves dos Santos, a ‘Loura’, a 160 anos de prisão pelo crime de lavagem de dinheiro, mas teve a pena reduzida para 15 anos; e o seu primo Marcos Rogério Machado de Morais, o ‘Rogério Bocão’, condenado em dois processos a um total de 57 anos de prisão, por furto, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e uso de documento falso, que, por sua vez, teve as penas reduzidas para 35 anos de reclusão. Rogério fugiu do presídio e até hoje não foi localizado.

Acima de ‘Alemão’ na hierarquia do bando, segundo o delegado federal Antônio Celso, estavam três homens. Luís Fernando Ribeiro, o ‘Fernandinho’, paulista, teria sido o financiador da construção do túnel de 75 metros que levava até a caixa-forte do Banco, ao pagar cerca de R$ 800 mil. Mas não chegou a ser condenado na Justiça, porque foi encontrado morto em Minas Gerais, em outubro de 2005 (dois meses após o crime), depois de ser sequestrado em São Paulo e a sua família pagar R$ 2 milhões para ele ser liberado. A principal suspeita recaiu sobre policiais civis.

Davi Silvano da Silva, o ‘Véi Davi’, mineiro, que seria o mentor intelectual do túnel, preso em uma residência no bairro Mondubim, em Fortaleza, em setembro de 2005, junto de quatro comparsas, na posse de R$ 12,5 milhões furtados. ‘Véi Davi’ foi sentenciado a 47 anos de prisão, em um processo que respondia por furto, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e uso de documento falso, na Justiça Federal. Mas teve a pena reduzida para 17 anos e seis meses, na instância superior.

E Moisés Teixeira da Silva, o ‘Tatuzão’, também paulista, que tinha esse apelido porque era especialista em cavar túneis. Ele foi o último líder da quadrilha preso, apenas em julho de 2009, em São Paulo. Fez implante de cabelo e uma cirurgia no pescoço para passar despercebido e afirma que foi extorquido e perdeu R$ 1,5 milhão dos R$ 2,5 mi que lhe couberam. Foi condenado a 16 anos de prisão em um processo por furto, formação de quadrilha e uso de documento falso e teve a pena reduzida para 14 anos.

Sorrateiros

Alguns acusados de ligação com o furto ao Banco Central passaram mais de uma década foragidos e escaparam de diversas ações policiais, até serem capturados e começarem a cumprir as penas. O cearense Adelino Angelim de Sousa Neto, o ‘Amarelo’, foi preso pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) ao sair de bicicleta de sua residência, no Município de Paranoá, em agosto de 2018. Ele foi sentenciado pela Justiça Federal a 18 anos de prisão, por lavagem de dinheiro, e depois teve a pena reduzida para 16 anos.

Outras duas prisões aconteceram no mesmo ano, em Boa Viagem, onde nasceu o ‘Alemão’. Raimundo Laurindo Barbosa Neto, o ‘Neto Laurindo’, outro primo do líder da quadrilha, foi detido pela Polícia Militar do Ceará (PMCE) no dia 18 de setembro de 2018. Ele afirma que foi extorquido por policiais civis de São Paulo e perdeu quase R$ 1 milhão. A Justiça Federal o condenou com a maior pena, 170 anos de prisão, por furto, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro; mas a instância superior reduziu para 17 anos.

Já Antônio Artenho da Cruz, o ‘Bode’, foi capturado também pela PMCE, no dia 10 de outubro seguinte. Ele foi condenado na primeira instância a 27 anos de prisão, por furto, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, mas a pena terminou reduzida para dez anos.

Com informações do Diário do Nordeste.