Pelo menos 115 pessoas morreram dentro de casa em decorrência da Covid-19 no Ceará, até esta última quarta-feira (13), segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
Uma das vítimas foi o aposentado Eliton Banhos, de 74 anos, que morreu seis dias após sentir os primeiros sintomas do novo coronavírus. A designer Meg Banhos, 48 anos, que encontrou o pai sem vida na cama, diz que ir ao quarto dele "é como visitar um cemitério".
O Ceará registrou o recorde de mortes em um período de 24 horas, com outros 109 óbitos contabilizados desde quarta-feira. Agora, são mais de 1,3 mil pessoas que não resistiram à Covid-19, com mais 19 mil diagnósticos positivos para a doença.
Ao final de março, o estado registrava quatro óbitos domiciliares. Em abril, já eram 38, saltando para 45 no primeiro dia de maio. Até esta quarta, no entanto, a quantidade mais que dobrou, ultrapassando 100 óbitos em casa.
Para Keny Colares, infectologista do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), os fatores são múltiplos – mas evidenciam, principalmente, a sobrecarga dos sistemas de saúde público e privado.
“A doença tem sintomas muito variáveis, o que faz com que muitos não pensem que estão infectados, por não estarem com quadro gripal característico. Os idosos, principalmente, ficam indispostos, mais molinhos, mas a sintomatologia não fica clara. As pessoas também sabem que as unidades de saúde vão estar lotadas, têm medo de se contaminar no local, e acabam ficando em casa. Mas quando a doença piora, é rápida. Às vezes, não dá mais tempo socorrer”, pontua.
Para o pai de Meg, foi exatamente assim. Ao surgirem a tosse insistente e uma febre, os filhos e a esposa contataram médicos da família e o próprio TeleSaúde, da Sesa, para buscar orientações. Eliton era cardíaco e diabético.
“No terceiro dia (de sintomas), começou a diarreia. Ficamos mais preocupados ainda, mas, apesar disso, resolvemos esperar, porque ele não tinha falta de ar e os hospitais já estavam lotados. No quinto dia, ele teve uma boa melhora, só persistia a tosse. Já tava até brincando sobre o fim da quarentena. Mas no sexto, amanheceu morto”, relembra Meg.
“Ficou aquele silêncio dentro de casa, ninguém se falava. Até que chegou a funerária, voltei lá no corredor do quarto e disse ‘pai…?’, como quem pede ‘faz isso não, levanta!’. Eu, minha mãe, meu irmão, a gente não podia nem se abraçar pra se consolar”, relata a designer.
Sem velório
Outro fator tornou a morte domiciliar do pai ainda mais avassaladora: a urna funeral não cabia no elevador nem na escada do prédio. Foi deitado numa rede azul que Eliton saiu de casa pela última vez.
“Eles (agentes da funerária) vieram arrastando a rede pelo corredor, como num cortejo do interior. O corpo passou pela minha mãe, que chorou muito. Tive que segurar a porta do elevador pro corpo do meu pai passar. Foi essa a última vez que o vi”, narra. O sepultamento durou um minuto e oito segundos – tempo do vídeo gravado pelo irmão de Meg, único a seguir o cortejo do pai ao cemitério.
Após a partida de Eliton, Meg nunca mais entrou no quarto, “não conseguia passar no corredor”, quando estava na casa onde os pais viviam. “Além do luto, eu tinha medo do vírus, mesmo que a casa tenha sido desinfectada. Eu tava enlouquecendo, lá. É como visitar um cemitério, apesar de ter sido a casa da minha infância”, reconhece.
Apesar de feridas pelo processo doloroso da morte, as lembranças de quem foi o técnico de enfermagem aposentado Eliton Banhos persistem.
“Meu pai era um brincalhão. Um pai e um avô super amoroso, um romântico apaixonado pela minha mãe – foi amigo de colégio dela, passaram 50 anos casados. Era o vizinho enfermeiro, cuidava de todo mundo do condomínio. Fazia caminhadas, tocava violão, cantava Roberto Carlos… Era todo garotão, conhecido como Campeão”, sorri a filha.
Com informações do G1 Ceará.