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Foto Anderson Oliveira |
Até o momento em que a lâmina d’água ultrapassou o sangradouro do Orós, o clima era de expectativa e ansiedade no interior do Ceará. Toda a cidade estava em contagem regressiva.
Adolescentes, jovens, adultos e idosos, todos acompanhavam cada centímetro que faltava para o segundo maior açude do Estado ultrapassar seu volume máximo e voltar a transbordar.
A espera acabou na noite do último 26 de abril, a poucas horas de completar exatos 14 anos desde a última cheia.
Aquele tornou-se o assunto na escola onde Jorge Henrique Santana, de 14 anos, estuda. “Hoje mesmo estavam dizendo: ‘Se tivesse como ir lá com os balde d’água, levando balde d’água de casa para encher, era bom demais’”, brincou o menino, em entrevista, dois dias antes de a sangria ocorrer.
O Diário do Nordeste foi até a cidade de Orós, a cerca de 342 quilômetros de Fortaleza, para acompanhar a expectativa da população à espera da sangria do segundo maior açude do Ceará e entender outros aspectos dessa relação com o reservatório. Esta é a primeira reportagem do especial “Orós, tempos d’água”, que fala sobre o vínculo dos moradores com o Açude, construído há mais de 60 anos e o seu impacto na economia, cultura e memória.
Durante essa visita da reportagem à cidade, Jorge contou que ele e os amigos nunca presenciaram o momento que, de tão cheio, o Orós transbordou. Só tinham visto fotos e estavam ansiosos para testemunhar o espetáculo, assim como os turistas que chegavam ao município. “Dá um formigamento no coração, chegar na parede e ver quatro dedos, três dedos faltando”, diz ele.
Já Gabriel Silva, de 20 anos, tem vaga lembrança de ter visto a última sangria, quando era criança, e também relatou entusiasmo com a possibilidade de a cena se repetir. “O pessoal tá super engajado com o açude, olhando os dados. Sempre fica aquela ansiedade, de acordar e ver quantos metros o açude pegou”, conta.
Então, depois da longa espera, finalmente, naquele 26 de abril, aconteceu: o "gigante Orós sangrou", como dizem na região, e a professora Elisa Campelo, de 62 anos, ficou emocionada de ver. Ela mora em Jaguaribe, a cerca de 72 km de distância do município de Orós, e foi ao mirante do reservatório com a irmã, o cunhado e os pais dele no último 1º de maio.
Ela lembra ter visitado o açude quando pequena, com os pais, e diz ter ficado honrada de poder vê-lo cheio novamente. "Apesar da caminhada, do sol escaldante", Elisa admite que foi prazeroso ver "aquele mundaréu de pessoas", os banhistas e o brilho nos olhos dos visitantes.
"Faz 65 anos que ele arrombou, que trouxe tragédias. Hoje, ao invés de trazer tragédias, ele vai trazer bênçãos para os ribeirinhos", acrescenta ela, referindo-se à ruptura de parte da parede do açude, em 29 de março de 1960, que varreu o Vale do Jaguaribe com a água.
Naquele mesmo dia, 26 de abril, era aniversário da influenciadora digital Naftaly Ferroli, 31, e a comemoração foi com passeio de barco e de Jet Ski, almoço em uma das ilhas do açude e banho na válvula dispersora.
Ela mora em Várzea Alegre, que fica a aproximadamente 95 km da cidade onde está o sangradouro, e foi para lá com o marido e outros nove amigos. "Minha primeira visita ao açude Orós aconteceu em 2017, e desde então sempre fazemos questão de voltar", conta.
"O maior incentivador para a visita foi o fato de o açude estar sangrando após tantos anos, queria presenciar de perto esse marco histórico", conta. "Como sempre, fomos muito bem acolhidos. E era nítida no rosto de todos que cruzamos a alegria estampada em cada sorriso. Foi um dia incrível e muito festejado", relata.
Tanta euforia em torno do Orós, de moradores da cidade e de quem vem de longe, não é sem motivo. Com capacidade para armazenar quase 2 bilhões de metros cúbicos (m³) de água, o açude Orós é o segundo maior reservatório do Ceará , atrás apenas do Castanhão, que tem capacidade de armazenar 6,7 bilhões de metros cúbicos e foi entregue pelo Governo Federal em 2002.
O reservatório atende diretamente cerca de 70 mil pessoas, pereniza trechos do rio Jaguaribe, garante abastecimento para populações ribeirinhas e possibilita a realização de atividades como pesca e agricultura. Às margens do espelho d’água, a beleza do reservatório e as diversas programações culturais também fomentam o turismo na cidade.
Com informações do Diário do Nordeste.