quarta-feira, 20 de outubro de 2021

'Eles perguntam pela mãe direto': Ceará tem 5,6 mil crianças e adolescentes órfãos do coronavirus

Em 24 horas, Alana e Alan ficaram órfãos. Dois de uma vez. Ela aos 9, ele aos 4. A Covid levou a mãe embora tão rápido que o vazio ainda preenche a despedida – eles ainda perguntam por Rosana Pereira, 31, enquanto se juntam aos cerca de 5,6 mil crianças e adolescentes do Ceará que perderam pai, mãe ou os dois na pandemia.

A estimativa é da Câmara Temática de Assistência Social do Consórcio Nordeste, baseada em estudo da revista científica The Lancet, que estimou uma multidão de 113.150 brasileiros e brasileiras cujos pais morreram de Covid entre março de 2020 e abril de 2021. Se considerados avôs e avós tutores, o número sobe para 130.363 órfãos.

“A gente pensava que era uma virose, mas deu uma pneumonia, ela foi pra UPA com dor nas costas e não voltou mais. Chegou lá 10h, 11h já tava intubada. Morreu com 24 horas”, relembra a mãe de Rosana, a dona de casa Maria de Lourdes Pereira, 63, agora responsável pelos netos

Eles perguntam por ela direto, sentem muito, sofrem, choram. Eles estão indo pro colégio, faço todo sacrifício. O que precisar eu faço por eles. Só não dou vida boa porque não tenho emprego.

Maria de Lourdes Pereira

Avó de Alana e Alan

Após a morte da filha, Lourdes amarga dores múltiplas – a da perda, da saudade, da tristeza pelos netos e das contas que não fecham, já que a idosa não pode mais “lavar roupa pra fora” nem fazer os bicos de faxina que complementavam a renda. Hoje, ela, o marido e os netos vivem dos R$ 375 do Bolsa Família.

“Tem dias que o bichinho de 4 anos pede leite e não tem. As coisas tão muito difíceis, você tá vendo, né?”, diz, lembrando da perversa e profunda crise sanitária, social e econômica que assola a população do Ceará.

O alívio da rotina dela, de Alana e Alan vem a cada duas semanas, quando os dois entram no rodízio da rede municipal de educação e vão às aulas presenciais na escola. “No colégio eles estudam, se distraem com outras crianças, comem…” Três soluções em uma.

“UM DOS MAIORES TRAUMAS DA VIDA É A ORFANDADE”

Nem 4 nem 9, mas 1 ano e 4 meses. Esse foi o tempo de convivência que Alice teve com a mãe, Nayara Laurindo, morta aos 33 pelo coronavírus, em agosto deste ano – uma partida que deixou a vida de quem ficou “difícil de todas as maneiras”, como desabafa Maria do Socorro Lopes, 55, mãe da jovem.

“Foi uma mudança muito brusca. Está sendo difícil psicologicamente e de todas as maneiras. A Nayara era minha filha única”, revela Socorro, com a voz embargada pela falta, mas sustentada pela missão de criar a neta. São as avós materna, paterna e o pai que cuidam, agora, da menina, hoje com 1 ano e 7 meses.

Ainda não há um levantamento oficial que dê conta de quantas crianças e adolescentes ficaram órfãos pela Covid: os 5.610 no Ceará são apenas uma aproximação estatística cruzando nascimentos e mortes, e não alcança os profundos efeitos sociais, emocionais, educacionais e econômicos das perdas.

Ângela Pinheiro, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (Nucepec), aponta que é necessária uma busca ativa desses órfãos por meio das instituições de educação, assistência social e saúde.

Com informações do Diário do Nordeste.