domingo, 31 de janeiro de 2021

Tratamentos com uso de pele da tilápia aceleram curas e abrem novas possibilidades na área da saúde

"Ameniza muito a dor e traz esperança quando a gente mais precisa". É assim que o soldador Cleílton da Silva, 40, resume o que sentiu, após ter queimaduras de segundo grau tratadas com pele de tilápia. As pesquisas, envolvendo a pele do peixe na área da saúde, foram iniciadas na Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2015. E culminaram em um tratamento bem-sucedido para queimaduras graves, beneficiando mais de 300 pacientes no Ceará e 500 no Brasil. Hoje, há estudos desenvolvidos em 13 especialidades médicas como otorrinolaringologia (perfuração de tímpano) e cardiologia (vasos).

Cleílton sofreu queimaduras nos braços e no lado esquerdo do rosto, pescoço e tórax quando trabalhava, em maio de 2017. No dia, utilizava um maçarico para extrair o parafuso de uma peça de alumínio. Devido à alta pressão, a mangueira que conduz o gás se rompeu e uma forte rajada de fogo atingiu o trabalhador.

Por causa do acidente, passou 13 dias internado no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Instituto Doutor José Frota (IJF), onde foi convidado a ser voluntário na pesquisa que utilizava a pele da tilápia em queimaduras. A proposta causou estranhamento, mas, logo, virou alívio. "Fiquei em dúvida, mas quando falaram que ia amenizar a dor, eu nem pensei muito e aceitei. Botaram a pele no meu braço, antebraço e no tórax e foi maravilhoso porque é bem friinha. Achei muito bom o resultado".

Menos dor e custos

Sem sequelas, ele aponta a pouca troca de curativos como a principal vantagem do tratamento. "Os curativos (convencionais) têm que trocar mais e provocam dor maior. Já a pele da tilápia, quando adere, fica sequinha e não precisa nem trocar".

Segundo o coordenador-geral da pesquisa na UFC e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), Edmar Maciel, a redução de curativos ameniza as dores e o uso de anestesias. Com isso, os custos e o trabalho das equipes médicas também diminuem.

Esperança de viver

O curativo biológico virou sinônimo de alívio para Fátima da Silva, 61. Cozinheira de um hospital no bairro Messejana, sofreu uma queimadura enquanto trabalhava, há dois anos. Ela carregava nas mãos uma panela com água fervente quando tropeçou no fogão e queimou o antebraço direito. Assim como Cleílton, aceitou ser voluntária na pesquisa. "É uma pele estranha. Queima quando colocam, mas alivia em minutos. Em 12 dias, já estava bem sequinha".

A cozinheira classifica o tratamento como "ótimo" porque, além de promover a cura física, reavivou a sua "esperança". "Meu braço ficou perfeito. E isso me deu mais vontade de continuar a viver".
Cicatrização mais rápida

Fátima estima que o tratamento, com duração de seis meses, foi rápido. Ainda atribui a ausência de marcas da queimadura à pele da tilápia. Porém, conforme Edmar Maciel, a qualidade da cicatrização com a pele do peixe é "praticamente a mesma" do tratamento tradicional. A diferença está no tempo de cicatrização. "Observamos mesmo foi uma redução de um dia no tempo de cicatrização nas queimaduras de segundo grau superficial. E de dois dias nas de segundo grau profundo".
Novos estudos

De acordo com o coordenador, há novidades nos estudos relacionados à pele da tilápia. O material vem sendo testado no tratamento das úlceras varicosas, feridas profundas na pele, geradas pela má circulação sanguínea. Outra novidade é o estudo da pele em humanos para reparo e proteção de palato, o tecido da parte superior da boca.

Ainda há expectativa de início - sem data definida - das pesquisas de redesignação sexual na Universidade de São Paulo (USP). A mudança de sexo de homem para mulher é feita somente em Cali, na Colômbia. Até agora, mais de 30 pacientes foram operados. "O resultado estético é muito melhor do que o feito com métodos tradicionais. Além da cirurgia ser mais rápida, não deixa estigma de tirar pele de partes do corpo pra preencher o canal vaginal", avalia Maciel.

Empresa deve industrializar pele

Com o encerramento dos estudos em queimaduras pela UFC, a oferta do tratamento a pacientes voluntários também foi suspensa no IJF. Conforme o coordenador-geral da pesquisa, Edmar Maciel, até o fim do primeiro semestre deste ano, deve ser aberta uma licitação que vai selecionar a empresa responsável pela industrialização da pele de tilápia. "A universidade está participando disso. E tem vários fatores. Um deles é avaliar se a empresa tem expertise para poder produzir. É uma negociação que vem sendo feita e acredito que, até o meio do ano, isso deva acontecer".

Ele lembra que a comercialização pela empresa vai ocorrer somente quando o produto for liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A produção em larga escala, conforme Maciel, tem como objetivo disponibilizar o curativo biológico para tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Sobretudo, a pessoas de baixa renda. Ele estima que 97% dos pacientes vítimas de queimadura não têm plano de saúde. "A ansiedade de todos nós, pesquisadores, é que a gente possa, de uma forma rápida, fazer com que esses produtos cheguem à rede pública brasileira. Porque vão beneficiar quem mais precisa. Além de que isso vai reduzir os gastos do próprio SUS".

A comercialização da pele da tilápia, - antes descartada - como curativo biológico não tende a perder a sua viabilidade econômica, pois "é o segundo maior peixe de produção do mundo. Só perde para carpas", afirma o coordenador. Além de possuir uma grande quantidade de colágeno tipo 1, a pele do peixe virou aposta da pesquisa porque o risco de transmissão de doenças em animais aquáticos é "muito menor".

Com informações do Diário do Nordeste.