quinta-feira, 31 de outubro de 2019

No dia das bruxas, conheça a história de mulheres que ainda vivenciam as práticas da bruxaria


Sinônimo de liberdade e conexão com o natural. A bruxaria, ao contrário do que muitos pensam, ainda está presente entre nós. Esqueça a imagem da velha nariguda com verrugas que carrega uma vassoura e faz poções malignas em seu caldeirão mágico. As bruxas modernas são psicólogas, juízas, tatuadoras, professoras e até médicas. O resgate dessa manifestação "espiritual" prega um estilo de vida baseado na soberania da natureza e também no autoconhecimento.

O primeiro contato de Bianca Albano, 30, com a bruxaria aconteceu há seis anos como um método de busca pelos processos íntimos que vivenciava. "Comecei a perceber fortes movimentos de intuição internos e essa história da bruxaria começou a me chamar muito. Na época, não era tão difundido. As pessoas tinham certo pavor quando eu falava", lembra.

Do interesse vieram os estudos e as pesquisas. A cada lua cheia, a artista se reunia com um grupo de mulheres ao redor de uma fogueira para compreender os processos femininos e a relação com as fases da lua, por exemplo. "Isso alavancou meu processo de busca por mim mesma. A bruxaria nada mais é do que esse processo de me encontrar", diz.

A atração por buscar maneiras de se espiritualizar foi o que fez Bia Guedes, 32, adotar a bruxaria como um estilo de vida. "Me sentia muito atraída por pedras preciosas, que depois aprendi a diferenciar dos cristais, incensos, livros sobre ocultismo, paganismo e religiões mais antigas", conta.

Essa curiosidade de saber mais sobre religiões milenares também foi o que despertou Isadora Montenegro, 42, a praticar manifestações de resgate das mulheres como sacerdotisas da Grande Mãe, que é a ideia de Deus como uma energia feminina, além do equilíbrio entre masculino e feminino, simbolizados pela Deusa e por Deus, que se complementam. Para ela, a bruxaria é "uma ferramenta de reconexão com seu eu superior, seu poder interior".

O movimento de conexão é tão presente na vida de Isadora que se reflete, inclusive, no trabalho. Nas ilustrações e nos riscos na pele, a tatuadora coloca elementos místicos e que exaltam o sagrado feminino.

Se você ainda estiver se perguntando o que é ser uma bruxa, o que fazem essas mulheres, Bia simplifica: "ser bruxa é algo que você simplesmente é e sabe que é. Existem teorias que dizem que toda mulher nasce bruxa e pode desenvolver suas habilidades ao longo do tempo".
Feminismo

Por pregar o autoconhecimento, especialmente o feminino, a bruxaria é encarada por essas mulheres como uma ferramenta fundamental de empoderamento. Além disso, essa manifestação também traz à tona a caça às bruxas, que aconteceu na transição da Idade Média para a Idade Moderna entre os séculos XV e XVIII. O movimento foi uma perseguição das religiões protestante e católica a mulheres, acusadas de praticar magia negra por saberem manipular elementos da natureza, por exemplo, como explicam os autores Jeffrey B. Russel e Brooks Alexander no livro "História da Bruxaria". "A prática era caracterizada por reuniões de mulheres que buscavam a cura pela natureza, na época do paganismo", explica Jana Lisboa, mestra em Linguística aplicada.

Os motivos para torturar ou até para queimar essas mulheres vivas eram ordinários. Seja por não terem desejo de ser mães ou não quererem se casar, por serem detentoras de conhecimento ou trabalharem, seja até por algum desastre natural.

"Havia mudado o viés científico, era teocêntrico e passou a ser girar ao redor do conhecimento do homem, do homem masculino e não da humanidade. Para o cristianismo ter novamente poder, começaram a passar a culpa para alguém, e o bode expiatório eram as mulheres", diz Jana.

Essa ameaça vista pelo poder dominante reflete-se até hoje na posição social em que as mulheres estão colocadas. Segundo Jana, esse fenômeno é explicado pelo 'medo' que o sujeito masculino tem de ser tirado do poder. "A mulher falar o que ela quer, produzir ciências, produzir conhecimento tira o homem desse centro que ele foi colocado. Quando a mulher está no centro, outras vozes passam a ser ouvidas. O homem tem medo por isso, de não ter mais o poder".

A doutora em Linguística e escritora Tânia Dourado interliga esse movimento à misoginia, a aversão ao gênero feminino. "Esses feitiços eram atribuídos tanto a homens quanto a mulheres, mas quando a feitiçaria começa a ser atrelada ao demoníaco, ela passa a ser um atributo das mulheres".
Manifestações

Essas práticas são incorporadas por essas bruxas modernas a partir do uso de elementos da natureza para promover a purificação do corpo ou a proteção de casa. Bianca conta que suas vivências são todas ritualizadas e fazem parte do dia a dia. "Eu mesma corto o meu cabelo e enterro, por exemplo. A relação com o sangue menstrual, pra mim, é portal de autoconhecimento", conta.

Acompanhar os ciclos da natureza, os ciclos lunares e saber a melhor fase para coisas específicas, como plantar, colher, iniciar algo novo são alguns dos rituais que Isadora realiza. Além do uso de ervas e cristais para limpezas, chás e meditações.

Bia também extrai desses elementos energias positivas para alcançar o equilíbrio e afastar doenças. "Existe uma ética muito forte de não fazer nada em nome de alguém sem consentimento prévio, não machucar ninguém no caminho para manifestação de algo e entender o equilíbrio entre energias positivas e negativas", explica.

O Dia das Bruxas, comemorado mundialmente neste dia 31 de outubro, é uma celebração, para essas mulheres, da abundância da colheita derivado do Samhain da cultura pagã que, ao contrário do que é de conhecimento comum, não cultua o mal e sim o vínculo com a essência do Universo.

Relembrar a história dessas mulheres que somente queriam manifestar vontades, anseios e poder ser donas de si é também contar nossos próprios enredos.

"Se ser bruxa é ter conhecimento, se conhecer, querer o próprio prazer sexual, então eu sou bruxa", finaliza Jana.

Com informações do Diário do Nordeste.