CHUVAS | No Sertão dos Inhamuns, em Tauá, uma verminose matou 10% do rebanho jovem de caprinos e ovinos - o principal do Estado. A doença, chamada de "papada inchada", encontrou condições ideais para se alastrar: pasto crescido, calor e chuvas irregulares de fevereiro a maio. A informação é do O Povo.
Bem ou mal, onde deu chuva pelo Ceará de 2018 também cresceu a comida para cabras, ovelhas e bezerros. Com a pastagem nativa farta, os animais ruminaram bastante e voltaram a esconder as costelas aparentes dos anos de seca. O capim corrente é o mais comum na caatinga. Foi aguado e esverdeou-se. Mantido úmido de sereno ou chuvas, também se espichou por dias seguidos num sol inclemente.
Calor mais umidade. Foi uma característica dos quatro meses de chuvas irregulares no Sertão dos Inhamuns. Em Tauá (a 347 km de Fortaleza), onde se somam os principais rebanhos de caprinos, ovinos e bovinos, mais de 250 mil cabeças juntas, as reses soltas no campo mastigaram esse pasto e acabaram infectadas por uma verminose severa. A larva se espalha em áreas de pasto quando chove intervaladamente. “Pelo menos 10% dos animais jovens, de caprinos e ovinos. Foi uma infestação grande. Causou prejuízo demais para o criador”, confirma o secretário municipal da Agricultura (Seagri), Argentino Tomaz Filho.
Pela ciência, o verme é chamado de Haemonchus contortus. O sertanejo batiza a mazela como “a doença da papada inchada”. É um dos sintomas, a região abaixo do pescoço do animal doente aumenta. Ingerida, a larva do verme se desenvolve no animal e depois é expelida nas fezes pelo mato. O ciclo de contaminação se fecha (em uma semana) e outros animais vão se alimentar na mesma área infestada. A rês se abate de uma anemia profunda. Esmorecida, perde o apetite, os olhos ficam opacos, embranquecidos, o pelo sem brilho. O inchaço do pescoço confirma o diagnóstico.
A morte por “papada inchada” pode acontecer em poucos dias. Às vezes até em menos de uma semana. “O controle principal é a vermifugação dos animais”, recomenda o médico veterinário José Iran Mota, da Seagri de Tauá. Geralmente reses de menos de um ano, mas casos também entre adultos. O gasto aumenta: R$ 150 para aplicar a medicação injetável por grupo de 100 animais. José Iran diz que também houve mortandade de cabritos e carneiros em Quixadá, Catarina, Parambu, Quiterianópolis e Arneiroz. Todas entre os Inhamuns e Sertão Central, regiões do Estado onde as precipitações foram mais intervaladas. Na fazenda Meu Reino Encantado, no distrito Carrapateiras, José Antônio de Lima, de 79 anos, perdeu até mais criações que o índice apontado pela Seagri de Tauá. “Eu tinha umas 80 cabeça. Acho que morreram umas 15 a 20 (cabras), entre as grande e as pequena.
O rapaz ali perdeu mais, umas 30. Pode procurar que encontra vários”, diz seu Zé. Conta do que viu nos últimos meses: “Olhe, o bicho entristece de um jeito... Dependura as orelha, engrossa a papada e ali mesmo vai morrendo. Vai secando e acabando as carne”.
As crias dele morreram em três dias, em média, entre março e início de maio. Até descobrir que precisava comprar vacinas, gastou também com suplementação alimentar. Os mais gordos morriam mais rapidamente. O sobrevoo dos urubus dava o sinal de criação morta pelo mato. Elídia Mota Urbano, 69 anos, presidente da Associação de Moradores da Comunidade Pirangi, também nas Carrapateiras, confirma ter perdido oito ovelhas e um garrote. O bovino morreu de raiva, outra enfermidade deste período nos Inhamuns. “Vários perderam bicho nessa vizinhança”.
A maioria das mortes foi entre março e os primeiros dias de abril, quando o veranico veio forte. As melhores chuvas de Tauá caíram das nuvens de fevereiro e abril. O veterinário José Iran informa ainda de um pequeno surto local de clostridiose (gangrena). A doença tem sintoma semelhante à papada inchada, é causada por bactéria que se instala no intestino do animal. Pode ser prevenida por vacinação e, não tratada, tem risco de óbito.
O veterinário orienta que o criador deve fazer a rotação de pastos a cada 20 dias, para que os rebanhos frequentem capins diferentes. Tauá ainda não possui frigoríficos atuando com Selos de Inspeção Sanitária. “Nem Municipal, Estadual ou Federal”, reconhece o secretário Argentino Tomaz Filho. O Selo permite o trânsito da carne para fora dos limites municipais e amplia o rigor protetivo ao animal vivo e ao que será produzido (leite ou carne). “A adequação deve ser ainda este ano. Existe a obra física (de um frigorífico municipal). Faltam equipamentos”, avaliados em R$ 600 mil, segundo o secretário.
Seu Zé Antônio descreve o lamento e exalta a bonança desta quadra chuvosa encerrada oficialmente. “A gente achava que com a chuva e a verdura não ia acontecer nada ruim. Que ia melhorar, mas aconteceu. Não tem criação gorda nem carnuda. Mas este ano tá bom mesmo assim. Tem forragem (mato) e tem água”, ressalta. Torce ainda de chuva por vir.
Enquanto ensinava dos quase 80 anos vividos no sertão de Tauá, jogava milho para as cabras sadias. Ajeitou o chapéu para falar dos filhos criados e do açude cheio de novo. A conversa passando e a mulher dele, dona Francisca, pedalando a máquina de costura no mesmo alpendre. Ela emendava retalhos coloridos num tapete de fuxico. Ao lado, a cisterna cheia de água de chuva. Ria do marido entrevistado, ria do tempo bom.