quarta-feira, 3 de maio de 2017

Obra do cantor Belchior pode virar patrimônio do Ceará

belchior


A notícia da morte do cantor e compositor Belchior, no último domingo (30), foi recebida com tristeza e comoção pelos fãs espalhados pelo Brasil. Dono de uma obra única e desafiadora, a trajetória do cearense foi marcada pela harmoniosa junção entre poesia e música.

Aos 70 anos de idade, o homem nascido Antônio Carlos Gomes Belchior, em Sobral, saiu de cena e deixou uma discografia composta por 23 títulos, além de parcerias e composições imortalizadas na voz de outros cantores. Em resumo, o rapaz latino-americano deixa um legado de importantes canções capazes de refletir a história do Ceará e do Brasil.

No mesmo dia em que foi realizado o sepultamento do artista, a Comissão de Direitos Culturais (Cdcult) da OAB-CE protocolou junto à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) o pedido do reconhecimento da obra de Belchior como patrimônio imaterial do Ceará. Em suma, a arte produzida pelo cantor pode ganhar a imortalidade, também, pelo viés jurídico.

Um dos requerentes do pedido de análise é o advogado e presidente da Cdcult, Ricardo Bacelar. Ao lado do também membro da comissão, Vítor Studart, a proposta da entidade é preservar e garantir o reconhecimento da música produzida por Belchior. No entendimento dos dois advogados, a possibilidade do tombamento imaterial reverencia uma manifestação artística que se confunde com a formação da sociedade cearense.

A nível de Ceará, observa Ricardo Bacelar, seria uma "conquista inédita", afinal, seria a primeira vez que uma manifestação desta natureza ganharia tal reconhecimento por parte do Estado. Em entrevista, o advogado comenta sobre as características e peculiaridades inerentes à Lei estadual Nº13.427-2003, responsável direta pelo tema.

Instituída em dezembro de 2003, o documento atua sobre as formas de registros de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural do Ceará. O registro dos bens culturais obedecem a seis livros distintos e separados por campos de atuação. Denominados "Livros de Registro", demarcam as manifestações identificadas nas áreas dos "Saberes", "Celebrações", "Formas de Expressão", "Lugares", "Guardiões da Memória" e "Mestres da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará".

Esta abertura de processo administrativo junto ao Governo do Estado, detalha Bacelar, busca a criação e adição de mais um livro de registro na lei. Esse sétimo item seria direcionado e específico para a música cearense, onde, dessa forma, o acervo sonoro de Belchior ganharia o título de patrimônio imaterial.

"É o reconhecimento dado pelo Estado para uma obra que ganha valor com referência na identidade e memória dos valores culturais relevantes", assevera o advogado. Para ilustrar o caso referente ao cantor, o presidente da Comissão observa o exemplo ocorrido no Rio de Janeiro em torno da memória artística deixada por Pixinguinha (1897-1973). Em 2005, todo o acervo musical deixado pelo maestro, saxofonista e compositor brasileiro foi declarado Patrimônio Cultural Carioca.

"Será um feito inédito para a música cearense. A obra de Belchior é diferenciada. Sua morte causou grande consternação e existe um apego à estética e à musica que ele escreveu e fez. Foi uma pessoa panfletária de ideias muito fortes e um libertador que se identificava com o discurso da sua época. Sob o ponto de vista artístico, tem relevância e merece esse reconhecimento formal, por que o reconhecimento público já existe, já é um patrimônio", finaliza Bacelar.

Imaterial

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) define como bem de natureza imaterial as práticas e domínios da vida social manifestadas em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; assim como os locais que abrigam estas manifestações, como mercados, feiras e santuários.

Discussão

Um dos marcos sobre o tema em território cearense foi tema de discussão em novembro de 1997, quando Fortaleza sediou o Seminário Internacional promovido pela Superintendência do Iphan no Estado. Na ocasião, discutiu-se estratégias e formas de proteção ao patrimônio imaterial e foram apresentadas experiências brasileiras e internacionais de identificação, resgate e valorização de manifestações culturais vivas.

O seminário resultou no documento "A Carta de Fortaleza", que recomendava o aprofundamento do debate sobre o conceito de patrimônio cultural imaterial e alertava para o desenvolvimento de estudos para a criação de um instrumento legal (instituindo posteriormente o "Registro") como principal modo de preservação e reconhecimento de bens culturais no Estado.



Fonte Diário do Nordeste