sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Campanhas negociam com pais de famílias vantagens em troca de dezenas de votos

Marcio Costa de Oliveira e a esposa Leila Gomes da Silva: família fechou compromisso de foto no mesmo candidato (Foto: Marcos Alves / Agência O Globo)


Depois de uma temporada como pedreiro em Brasília, Roberto Tenório Silva, de 31 anos, calculou a hora de voltar para sua terra natal, Carrasco Bonito, no Tocantins. Do prefeito em campanha pela reeleição ouviu a promessa de que haveria emprego para ele, a mulher e a mãe. A promessa nunca se concretizou. Roberto montou um bar na praça e mudou de lado: foi para a oposição.

— Depois disso o prefeito começou a mandar gente para falar comigo. Aí, resolvi voltar a colocar o adesivo dele no meu carro — conta.

Quando perguntado sobre o que o levou a mudar de lado, Roberto morde os lábios:

— Isso aí é coisa, assim, particular.

A nova promessa “foi cumprida pela metade”, nas palavras de Roberto. Uma semana depois, ele já estava de volta à oposição.

— Ele pensa que dinheiro é tudo, mas dinheiro não é tudo, não. Ele vira as costas para o povo e, em três meses, quer conquistar os outros? — comentou no dia em que anunciou o voto, último lance do leilão pelo seu apoio.

— Por que você não revela o motivo de tantas mudanças de voto? — perguntou a reportagem.

— Quem tem dinheiro sai da cadeia na hora, pagando R$ 1 milhão. Quem não tem só sai depois de seis meses — disse, ciente de que a compra de votos é crime tanto para o candidato que compra quanto para o eleitor que vende.

Com família de quase 50 pessoas — entre primos e sobrinhos — o apoio de Roberto era ouro para situação e oposição. Não só pelo voto ganho, mas pelo “baque” que a mudança de lado representa para a campanha adversária.

A história é exemplo do padrão peculiar de compra de votos não só no interior do Tocantins, mas em cidades pequenas e médias pelo país: emissores de campanhas fazem um mapeamento de lideranças familiares na região para oferecer lotes, emprego e dinheiro vivo. Nesses casos, o candidato não se envolve na negociação — o trabalho “sujo” cabe a seus emissários.

— Os assessores procuram chefes de família e compram os votos por lote, como se comprassem gado — conta o promotor eleitoral da região, Paulo Sérgio Almeida Ferreira.

É um esquema que usa ilegalmente até recursos da Justiça Eleitoral. O chefe do cartório de Augustinópolis (TO) foi afastado recentemente do cargo por suspeita de compartilhar informação protegida por sigilo com campanhas.

Pai de cinco filhos, Márcio Costa de Oliveira, de 28 anos, é construtor de casas nos raros momentos de oferta de emprego na cidade. Mas ainda não conseguiu, até hoje, deixar a casa de pau-a-pique onde vive com a família numa das ruas mais pobres de Carrasco Bonito.

No início da campanha, ele foi procurado pelo prefeito, que não negociava apenas o voto do rapaz — o pacote incluía o da esposa, cunhadas, genro, sogra e até o da avó da esposa. O descrédito de promessas não cumpridas (“ele deu emprego para o meu cunhado, mas, três meses depois, o dispensou”) o jogou para a oposição.

— Está tudo fechado, vai ser uma casa para minha cunhada e um emprego para outra. Explicaram que não podiam garantir duas vagas para a mesma família.

A compra de votos nesses moldes, no entanto, tem sido recusada por parte dos eleitores. Experiente no assunto, o agricultor Raimundo Neves Bezerra, de 62 anos, explica que, ao trocar voto por dinheiro, o cidadão perde direitos:

— A pessoa se elege e diz: “rapaz, não te devo nada, você votou em mim porque te dei tanto”.

Para outro Raimundo, o Dito do bar de mesmo nome, o problema maior é o fenômeno do “desaparecimento” do político:

— Quem perdeu se esconde, porque gastou demais e está devendo a todo mundo. Quem ganhou também se esconde, falando que está cansado, tendo repouso. Não dá para confiar.

 


Fonte Agência O Globo