sexta-feira, 18 de setembro de 2020

No Ceará, 96% dos territórios indígenas não têm demarcação consolidada

foto
Foto Antonio Rodrigues
Os processos de demarcação de terras indígenas se arrastam há anos e têm efeito prático na vida de mais de 35 mil indígenas que vivem no Estado, segundo a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince). Dos 25 Territórios Indígenas, apenas o Córrego João Pereira, em Itarema, está com processo concluído. Há ainda uma Reserva Indígena constituída, a Taba dos Anacé, em Caucaia, aguardando apenas o registro do imóvel. A grande maioria (96%) enfrenta entraves.

Weibe Tapeba, assessor jurídico da Fepoince, avalia que a situação é preocupante e que 13 TIs (52%) estão em situação mais crítica. "Não têm nem sequer segurança jurídica", afirma. "Mas é um número cristalizado, que se arrasta há quase 10 anos. A gente não avança".

No Ceará, cinco territórios já tiveram portaria expedida pela Justiça e aguardam início da demarcação ou retirada de não indígenas; dois já foram delimitados e esperam publicação de Portaria, e três estão com estudo em andamento ou aguardando o início. Os 13 territórios em situação crítica esperam formação de um grupo de trabalho da Funai "para a fase inicial do processo", lamenta Weibe.

Resistência

Em um destes territórios vive o povo Kariri, na comunidade de Poço Dantas, em Crato. São entre 80 a 100 remanescentes que, ao longo de muitos anos, sofreram com a retirada de direitos mas que hoje se autorreconhecem como indígenas. "O perfil da comunidade é parecido com outras reconhecidas pela Funai. Na maioria, são camponeses. O processo de destruição aqui foi mais eficiente que em outras regiões", explica o professor e pesquisador Patrício Melo.

A presidente da Associação Índios Cariri Poço Dantas Umari, a educadora Vanda Cariri, explica que o modo de vida e costumes da comunidade sempre estiveram presentes, e, com a chegada da pesquisadora Rose Kariri, em 1996, a comunidade iniciou o processo de autorreconhecimento.

Com isso, veio uma série de lutas e conquistas. Hoje, o grande desejo dos remanescentes do Poço Dantas é uma escola indígena com metodologia específica. "Boa parte ainda não sabe ler e escrever", detalha Vanda.

Importância

"Se existe uma comunidade que se autoafirma, vai se atribuir todas as políticas públicas, como demarcação, previdência social específica, escola indígena, protocolo para saúde específica e outros indicadores, além do uso de bens ambientais e um licenciamento ambiental específico", explica Patrício Melo.

O antropólogo Kleyton Rattes explica que um dos principais serviços fragilizados com a não finalização do processo de demarcação é a proteção social. "As obrigações que as diferentes instituições do Estado têm ficam muito fragilizadas e desgastadas, o que inclui a questão da saúde", explica. Quem presta este serviço é a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde.

A pasta informou que o atendimento "perpassa pela verificação da condição de indígena aldeado ou de estarem os não aldeados, ao menos, dentro de uma dimensão geográfica tradicionalmente ocupada pela respectiva etnia em caráter permanente". Conforme o órgão, "caso os indígenas não sejam aldeados, os atendimentos são feitos diretamente pelos estados e pelos municípios onde moram".

Impacto

Rattes explica que a não garantia institucional gera uma série de complicações, também, entre os não-indígenas. Durante a pandemia, por exemplo, territórios chegaram a relatar dificuldades para manter barreiras sanitárias. "Quando a identificação da TI não está colocada de maneira garantida, existe uma série de contestações da própria existência daquelas pessoas enquanto indígenas", completa.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) é a instituição responsável pelo processo de demarcação de terras. O Sistema Verdes Mares questionou os motivos desta lacuna e quais ações têm sido feitas para ampliar as TIs no Ceará e, consequentemente, reduzir os impactos aos povos indígenas. Porém, não houve retorno.

Com informações do Diário do Nordeste.